Composição de Coral à Cappella no Estilo Bach (Parte 2)
postado por Carlos A Correia em 11/11/2011
Esse post é uma continuação.
Já que entendemos como a letra foi dividida, vamos agora
pegar a nossa análise e retirar a letra, assim teremos menos coisas para nos distrair na partitura:
Neste post, vamos entender o caminho harmônico que Bach escolheu para essa música.
Frase 1:
A frase 1 começa na tônica e termina em cadência dominante, mas não sai da tônica, ou seja, permanece em lá menor.
Nesse tipo de construção, o soprano dá a melodia da música e as outras notas definem a harmonia adotada por Bach.
A nota soprano começa (anacruse) em mi, vai para lá, segue algumas notas não alteradas, depois termina a frase fazendo si -> sol# -> mi.
Naquela época, era de praxe começarmos a música com o acorde de tônica ( I ), porém, em alguns casos (principalmente começando com anacruse), o acorde poderia ser dominante (V), o que no nosso exemplo seria bem vindo, pois o próprio soprano sai de mi (fundamental da dominante) para lá (fundamental da tônica), fazendo um movimento forte (4a. ascendente) : V - I
Mas Bach preferiu começar com o acorde de tônica.
As notas finais no soprano (si -> sol# -> mi) desenha o acorde dominante (Mi Maior), mas Bach também preferiu que o acorde na nota si fosse II e os 2 acordes seguintes permanecessem na dominante.
O último acorde poderia também ser tônica, onde o soprano soaria a 5a. do acorde. Só que nesse caso a cadência não seria dominante.
Mas por que Bach fez tais escolhas? Houve alguma regra?
Não!
Foi gosto pessoal dele, e foi sua criatividade que ditou o caminho que quis seguir na primeira frase. Mas também não foi aleatório. Há uma explicação, e isso será percebido vendo a continuação.
Frase 2:
Nessa frase, vemos o soprano de cara soando SOL (sem sustenido), ou seja, saindo da tônica menor.
Novamente, Bach poderia ter escolhido qualquer outra região, mas nesta época a saída natural é ir da tônica menor para o seu relativo Maior, que no caso é Dó Maior. Então é natural que Bach harmonize o início da frase em Dó Maior, isto é, o primeiro acorde sendo Dó Maior, onde o baixo estaria em dó, o tenor em sol ou dó, o contralto em mi, e o soprano em sol. Estaria perfeitamente dentro dos padrões. Mas Bach preferiu chegar em seu Relativo Maior transformando o V (dominante) em Vm (dominante menor).
- Mas há alguma lógica nisso?
Sim. Pois já que Bach decidiu terminar em cadência dominante a primeira frase, temos o último acorde montado no V. E lá temos algumas considerações a serem feitas, principalmente em termos de condução das vozes.
Primeiro, temos o sol# do tenor. Para ele seguir para um acorde de dó maior, o tenor teria que descender para sol natural, ou pular para dó (ascendentemente), porém nesse último caso o tenor teria que cantar um intervalo de 4o diminuto.
- Ei, peraí, 4o diminuto não tem valor igual a 3a Maior? Qual seria o problema disso?
No sistema temperado correspondem a mesma nota. Poderia considerar que sol# é lá-bemol, então seria normal sair de lá-bemol para dó natural. Mas estamos na escala de lá menor, ou melhor, o coral está em um ambiente de lá menor, onde a cadência dominante quase que leva ao ambiente de Mi Maior, onde há presença de sol# e dó# (e não dó natural). Por isso considerar 4a e não 3a.
Mas, talvez, a maior preocupação de Bach estaria na dificuldade de entonação dos acordes por parte do coro. Não que o coro não soubesse fazer isso, fosse fraco, ou qualquer coisa semelhante, mas não era costume da época mudanças bruscas de regiões, e criar dificuldades desnecessárias ao coro. Lembre-se que o tenor não está cantando sozinho.
Segundo, Bach pode trazer o baixo de volta próximo as outras notas do acorde, uma vez que ele tinha se "afastado" de todo o grupo. É claro que isso pode ser mais subjetivo, e não uma regra, mas de fato Bach conseguiu deixar a condução do baixo mais interessante, com movimentos menos repetitivos.
Seguindo a frase, percebemos que Bach só firma a região Mediante (Relativa Maior) quando realiza os acordes V-I, mas volta rapidamente para a tônica menor, com a cadência final dessa frase. Isso explica mais uma vez o porquê de Bach decidir fazer uma cadência dominante na frase anterior, uma vez que seria feita aqui na frase 2 a cadência perfeita na tônica!
A frase 1 mais a frase 2 forma o nosso < a > na forma binária: a-b.
Resumidamente, o < a > está estruturado:
t ___M___t
Sai de tônica menor, passa pela Mediante e volta para a tônica menor. É como se fosse um liga e desliga de interruptor para estas regiões.
E a maneira que saiu da tônica (início) para a Mediante foi fazendo uma cadência dominante, transformando o acorde dominante em dominante menor, pertencente a região Mediante.
Frase 3:
O início dessa frase nos dá a entender que continuaremos na tônica menor, mas o sol# do tenor resolve em lá, permitindo o sol natural aparecer naturalmente no baixo. Mas Bach deixa claro que estamos na região Mediante, e ao invés de voltar rapidamente a tônica menor, como na frase 2, ele permanece até o fim, fazendo a cadência perfeita na Mediante (Dó Maior).
O que isso cria?
O contraste!
Se, por acaso, Bach tivesse voltado para lá menor, onde a nota soprano seria a 3a. do acorde de lá menor, Bach incorreria na monotonia, pois ele já havia feito o movimento de Mediante para tônica menor... Mas Bach é Bach e nunca faria isso! (rs)
Agora Bach sabe que tem a última frase, e ela tem que voltar para a tônica menor.
Frase 4:
Novamente, Bach dá a entender que vai continuar na mediante, mas, inesperadamente, ele lança mão do acorde diminuto da dominante para voltar para a região da tônica menor, e sua preparação foi feita por movimento cromático tanto no baixo quanto no contralto. Estas duas vozes estão em movimento ascendentes enquanto as outras duas vozes estão em movimento descendentes. Nesse momento também temos um movimento do tenor de 4J (quarta justa), saindo de fá# para si (ascendentemente), e as outras vozes fixando o acorde de dominante maior (V), da tônica menor (lá menor), movimentando-se por grau conjunto.
O acorde dominante resolve em um acorde de VI ou de I (tônica menor). Está mais para o acorde de I do que VI, apesar do baixo tocar primeiro fá que pertence ao acorde VI, mas isso parece, e soa, mais como uma nota de passagem.
Tudo isso leva a nossa cadência final perfeita na tônica menor, sendo que o acorde final está em picardia (com terça Maior no lugar de menor).
A frase 3 mais a frase 4 é o < b > da forma binária, com o seguinte esquema:
M____t___
Ficamos então com o seguinte esquema harmônico de toda a peça:
< a > < b >
t___M__t_ M___t___
Ou seja, Bach só harmonizou em duas regiões, mas lançou mão de usar cadência dominante, e mudança de transformar a dominante Maior para menor, para não criar monotonia na peça.
Esse é um exemplo simples que podemos utilizar poucos recursos e ainda assim não criar monotonia.
Se você ainda não leu o post anterior clique aqui.
Leia o post anterior (parte 1) para compreender melhor o que explico aqui!
Já que entendemos como a letra foi dividida, vamos agora
pegar a nossa análise e retirar a letra, assim teremos menos coisas para nos distrair na partitura:
Neste post, vamos entender o caminho harmônico que Bach escolheu para essa música.
Frase 1:
A frase 1 começa na tônica e termina em cadência dominante, mas não sai da tônica, ou seja, permanece em lá menor.
Nesse tipo de construção, o soprano dá a melodia da música e as outras notas definem a harmonia adotada por Bach.
A nota soprano começa (anacruse) em mi, vai para lá, segue algumas notas não alteradas, depois termina a frase fazendo si -> sol# -> mi.
Naquela época, era de praxe começarmos a música com o acorde de tônica ( I ), porém, em alguns casos (principalmente começando com anacruse), o acorde poderia ser dominante (V), o que no nosso exemplo seria bem vindo, pois o próprio soprano sai de mi (fundamental da dominante) para lá (fundamental da tônica), fazendo um movimento forte (4a. ascendente) : V - I
Mas Bach preferiu começar com o acorde de tônica.
As notas finais no soprano (si -> sol# -> mi) desenha o acorde dominante (Mi Maior), mas Bach também preferiu que o acorde na nota si fosse II e os 2 acordes seguintes permanecessem na dominante.
O último acorde poderia também ser tônica, onde o soprano soaria a 5a. do acorde. Só que nesse caso a cadência não seria dominante.
Mas por que Bach fez tais escolhas? Houve alguma regra?
Não!
Foi gosto pessoal dele, e foi sua criatividade que ditou o caminho que quis seguir na primeira frase. Mas também não foi aleatório. Há uma explicação, e isso será percebido vendo a continuação.
Frase 2:
Nessa frase, vemos o soprano de cara soando SOL (sem sustenido), ou seja, saindo da tônica menor.
Novamente, Bach poderia ter escolhido qualquer outra região, mas nesta época a saída natural é ir da tônica menor para o seu relativo Maior, que no caso é Dó Maior. Então é natural que Bach harmonize o início da frase em Dó Maior, isto é, o primeiro acorde sendo Dó Maior, onde o baixo estaria em dó, o tenor em sol ou dó, o contralto em mi, e o soprano em sol. Estaria perfeitamente dentro dos padrões. Mas Bach preferiu chegar em seu Relativo Maior transformando o V (dominante) em Vm (dominante menor).
- Mas há alguma lógica nisso?
Sim. Pois já que Bach decidiu terminar em cadência dominante a primeira frase, temos o último acorde montado no V. E lá temos algumas considerações a serem feitas, principalmente em termos de condução das vozes.
Primeiro, temos o sol# do tenor. Para ele seguir para um acorde de dó maior, o tenor teria que descender para sol natural, ou pular para dó (ascendentemente), porém nesse último caso o tenor teria que cantar um intervalo de 4o diminuto.
- Ei, peraí, 4o diminuto não tem valor igual a 3a Maior? Qual seria o problema disso?
No sistema temperado correspondem a mesma nota. Poderia considerar que sol# é lá-bemol, então seria normal sair de lá-bemol para dó natural. Mas estamos na escala de lá menor, ou melhor, o coral está em um ambiente de lá menor, onde a cadência dominante quase que leva ao ambiente de Mi Maior, onde há presença de sol# e dó# (e não dó natural). Por isso considerar 4a e não 3a.
Mas, talvez, a maior preocupação de Bach estaria na dificuldade de entonação dos acordes por parte do coro. Não que o coro não soubesse fazer isso, fosse fraco, ou qualquer coisa semelhante, mas não era costume da época mudanças bruscas de regiões, e criar dificuldades desnecessárias ao coro. Lembre-se que o tenor não está cantando sozinho.
Segundo, Bach pode trazer o baixo de volta próximo as outras notas do acorde, uma vez que ele tinha se "afastado" de todo o grupo. É claro que isso pode ser mais subjetivo, e não uma regra, mas de fato Bach conseguiu deixar a condução do baixo mais interessante, com movimentos menos repetitivos.
Seguindo a frase, percebemos que Bach só firma a região Mediante (Relativa Maior) quando realiza os acordes V-I, mas volta rapidamente para a tônica menor, com a cadência final dessa frase. Isso explica mais uma vez o porquê de Bach decidir fazer uma cadência dominante na frase anterior, uma vez que seria feita aqui na frase 2 a cadência perfeita na tônica!
A frase 1 mais a frase 2 forma o nosso < a > na forma binária: a-b.
Resumidamente, o < a > está estruturado:
t ___M___t
Sai de tônica menor, passa pela Mediante e volta para a tônica menor. É como se fosse um liga e desliga de interruptor para estas regiões.
E a maneira que saiu da tônica (início) para a Mediante foi fazendo uma cadência dominante, transformando o acorde dominante em dominante menor, pertencente a região Mediante.
Frase 3:
O início dessa frase nos dá a entender que continuaremos na tônica menor, mas o sol# do tenor resolve em lá, permitindo o sol natural aparecer naturalmente no baixo. Mas Bach deixa claro que estamos na região Mediante, e ao invés de voltar rapidamente a tônica menor, como na frase 2, ele permanece até o fim, fazendo a cadência perfeita na Mediante (Dó Maior).
O que isso cria?
O contraste!
Se, por acaso, Bach tivesse voltado para lá menor, onde a nota soprano seria a 3a. do acorde de lá menor, Bach incorreria na monotonia, pois ele já havia feito o movimento de Mediante para tônica menor... Mas Bach é Bach e nunca faria isso! (rs)
Agora Bach sabe que tem a última frase, e ela tem que voltar para a tônica menor.
Frase 4:
Novamente, Bach dá a entender que vai continuar na mediante, mas, inesperadamente, ele lança mão do acorde diminuto da dominante para voltar para a região da tônica menor, e sua preparação foi feita por movimento cromático tanto no baixo quanto no contralto. Estas duas vozes estão em movimento ascendentes enquanto as outras duas vozes estão em movimento descendentes. Nesse momento também temos um movimento do tenor de 4J (quarta justa), saindo de fá# para si (ascendentemente), e as outras vozes fixando o acorde de dominante maior (V), da tônica menor (lá menor), movimentando-se por grau conjunto.
O acorde dominante resolve em um acorde de VI ou de I (tônica menor). Está mais para o acorde de I do que VI, apesar do baixo tocar primeiro fá que pertence ao acorde VI, mas isso parece, e soa, mais como uma nota de passagem.
Tudo isso leva a nossa cadência final perfeita na tônica menor, sendo que o acorde final está em picardia (com terça Maior no lugar de menor).
A frase 3 mais a frase 4 é o < b > da forma binária, com o seguinte esquema:
M____t___
Ficamos então com o seguinte esquema harmônico de toda a peça:
< a > < b >
t___M__t_ M___t___
Ou seja, Bach só harmonizou em duas regiões, mas lançou mão de usar cadência dominante, e mudança de transformar a dominante Maior para menor, para não criar monotonia na peça.
Esse é um exemplo simples que podemos utilizar poucos recursos e ainda assim não criar monotonia.
No próximo post, vamos criar uma melodia e posteriormente harmonizar o coral.
Se você ainda não leu o post anterior clique aqui.
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