Composição de Coral à Cappella no Estilo Bach - Parte 1
postado por Carlos A Correia em 10/06/2011
imagem: Vocalconsort Berlin o.l.v. Daniel Reuss - YouTube
Alguns leitores vêm me perguntando como é a estrutura dos corais à cappella de Bach.
Vamos, então, dividir esta explicação em partes.
Na primeira (essa) e na segunda parte dissecaremos um coral de Bach: “Wer nur den lieben Gott lasst walten”.
Na terceira parte, iniciaremos uma composição nova, feita por mim, de um coral nesse estilo. Nessa parte faremos uma melodia sobre uma letra.
Na quarta parte, iremos harmonizar a melodia e completar as outras vozes.
PARTE 1
Veja a partitura do coral escolhido por mim para a análise. A partitura foi extraída do site free-scores.com:
Veja um vídeo no YouTube da apresentação da música de Bach, com a interpretação do Coral "VOCAL CONCERT DRESDEN" • http://www.vocalconcert.de
A primeira coisa que devemos saber é que em uma música com letra, o que manda na estrutura é a própria letra, e não ao contrário.
Porém, como fazem muitos compositores, como eu também já fiz, podemos pegar uma letra (o texto todo) e dividir em partes, de modo que possamos adaptá-la em uma forma conhecida: a-b-a`; rondó; allegro-sonata; ou alguma outra...
Essa divisão geralmente é muito saudável, pois obriga ao compositor formar a música com as nuances da forma, principalmente no que diz respeito ao contraste e as transições, deixando a música mais rica.
Mas, é claro, o compositor já deve dominar tais formas.
Outro recurso interessante que o compositor pode lançar mão, é perceber na letra onde estão algumas características poéticas ou de expressão. Por exemplo, pode ser que em um trecho da música a letra diz algo assim: “(...) e disse baixinho (...)”. Pode ser que o compositor, nesse momento, faça os instrumentos e o coral diminuírem seus volumes.
No caso anterior, só fica estranho se o compositor fizer ao contrário: se o compositor colocar um forte para todos os instrumentos. A não ser que seja essa a intenção do compositor: fazer o contrário e chamar a atenção para esse trecho, criando uma oposição ao trecho. Isso pode ser usado em uma peça cômica, por exemplo.
Após a divisão do texto, devemos dividir o texto em suas frases, respeitando os seus respiros, ou seja, onde estão as pontuações principais.
Veja a letra toda da oração:
Wer nur den lieben Gott LaBt walten und hoffet auf ihn allezeit,
den wird er wunderbar erhalten in allem Not und Traurigkeit.
Wer Gott, dem Allerhochsten traut, der hat auf keinen Sand gebaut.
Vamos pegar a música anterior e dividir em suas frases:
Wer nur den lieben Gott LaBt walten
und hoffet auf ihn allezeit,
den wird er wunderbar erhalten
in allem Not und Traurigkeit.
Wer Gott, dem Allerhochsten traut,
der hat auf keinen Sand gebaut.
Aqui já podemos perceber que há uma rima entre as frases:
erhalten rimando com walten
Traurigkeit rimando com allezeit
e
gebaut rimando com traut
As frases também têm uma métrica silábica.
Para o compositor, isso já dá a pista para a forma e disposição de seu texto. É claro que ele não é obrigado a seguir isso, mas já facilita-o bastante na apreciação da forma até para o ouvinte.
O ritmo da música também tem sua relação com a métrica silábica.
O compositor pega o final de cada frase, por considerar uma respiração, e transforma-a em cadência, incluindo uma fermata na última sílaba.
O compositor também considera as sílabas tônicas para colocá-las nos tempos fortes do compasso.
Isso tudo não são regras, apenas norteações de como a música segue a forma e estrutura da letra.
Por exemplo, quando escutamos uma música cantada e que o compositor não considerou as sílabas tônicas em seus tempos fortes, percebemos quase que um “engasgo” no canto. É difícil descrever isso em texto, mas parece que a palavra fica fora de compasso, ou que a sílaba tônica estaria na sílaba errada. Eu já escutei várias músicas, principalmente as populares mais atuais, com essa característica. É como se a palavra TÔNICA fosse dita TONICÁ (repare no acento na última sílaba).
Alguns compositores, sem saber o porquê e nem o motivo, para driblar isso alongam suas sílabas, muitas vezes em melismas desnecessárias!!!
A desconsideração das sílabas fortes em tempos fortes pode ser desconsiderada em alguns casos: para criar efeitos; para enfatizar uma outra sílaba mais forte em detrimento do interesse melódico; ou quando a métrica rítmica da música difere da métrica do compasso.
O nosso coral, dividido em suas frases, fica:
Nesse momento, o compositor já tem idéia, se não convicção, da tônica da peça. Então ele sabe que deverá variar as regiões (modulações) em suas frases.
Caso o compositor mantenha a mesma região nas frases, pode ser que caia em monotonia.
O compositor também deve tomar em consideração o andamento da peça, pois quanto mais rápido ela for, a mudança das regiões se dará mais lenta em suas frases...
Cada frase pode começar em uma região e terminar em outra, sabendo que o término de uma prepara a próxima região da próxima frase.
Mas, novamente, não são regras fixas!!!!
Vejamos a análise completa da peça de Bach:
A peça está em Lá menor, então, teoricamente, a peça deve começar com os acordes que firmem sua tônica.
A primeira frase termina na dominante da tônica.
Já no início da segunda frase, começa na mediante (relativa Maior) e termina novamente na tônica. Aqui há um ritornello, então seria óbvio que poderia terminar na tônica ou na dominante, para facilitar a volta. Digo “facilitar” considerando regiões próximas.
A terceira frase começa na tônica, mas rapidamente modula para sua relativa Maior (mediante).
A quarta frase começa na mediante e termina na tônica (em picardia), pois essa é a última frase do texto.
Essa pequena peça só variou em 2 regiões: tônica e mediante maior.
Em outras peças, mesmo de Bach, ele varia em mais regiões... Faz vôos mais longos até voltar novamente à tônica no final da peça.
No próximo post, analisaremos cada frase.
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